Harmonia: a característica da cultura japonesa que poucos entendem

Quem nunca leu, ouviu ou viu em algum filme ou qualquer outra situação sobre a harmonia da cultura japonesa? Apresenta-se que, tudo deve estar em perfeita harmonia, harmonia de espírito, da natureza com o eu interior, harmonia entre as pessoas etc.

Logo, harmonia é algo – supostamente – suave, bonita, soa bem aos ouvidos e, no geral, gera uma sensação positiva.

Ikebana (arranjo de flores) é um dos símbolos da harmonia e da estética japonesa

Essa característica é quase inerente à cultura da perfeição, como escrevi brevemente no post anterior: Aprendendo sobre cultura indo apenas em uma loja de automóveis no Japão.

Na prática, como funciona?

Logo de manhã quando saio para o trabalho todos os dias, vejo as mesmas pessoas, no mesmo horário e fazendo os mesmos caminhos. Sei disso não porque eu também o faça, claro que de certo modo sim, mas porque já mudei tanto, que agora repito o que era para ser diferente.

Elas pegam o mesmo trem, entram sempre no mesmo vagão, e, se possível, sentam-se nos mesmos lugares. Sim, essa rotina meio que acaba padronizando onde cada um fica em pé e onde se senta. Mas não é uma regra, mas há visivelmente um padrão.

Foto ilustrativa do interior de um trem comum

Num belo dia – sem que tivesse o conhecimento dessa observação cultural – entrei no trem e me sentei num dos lugares abertos. Ao meu lado esquerdo tinha uma estudante sentada (no Japão todos os estudantes usam uniforme, por isso é fácil identificar).

Todo tranquilo, escutando minha música (na devida altura), paramos numa estação. Entraram várias pessoas, saíram várias outras, mas dentre elas, entrou uma outra estudante. Essa que entrou era amiga da que estava ao meu lado. Claro, não tinha como eu não perceber.

Elas olharam pra mim, se entreolharam diversas vezes e fizeram uma cara de “vixi, e agora? Ele quebrou nossa harmonia, esse intruso!”.

Com aqueles olhares, saquei na hora que certamente eu tinha sentado no “lugar” dela.

Então, com toda gentileza oculta, olhei para um lado, olhei para outro, vi que não tinha outro lugar, pensei comigo: “me desculpe, não tem outro lugar pra você”.

Definindo a harmonia cultural japonesa

A harmonia, portanto, é tudo o que deve permanecer como um padrão, como um grande establishment, do comportamento social, a fim de não dar quebras nos aspectos da realidade. É uma compreensão com raízes na religião budista, especificamente o zen.

Um pequeno vaso representando um jardim zen

Por exemplo, não discordar ou entrar numa discussão para não quebrar a harmonia entre pares. Se o outro pensa de uma forma, apenas concorde, não questione ou discuta.

(Apesar de que, quando há literalmente quebras e destruições por terremotos, que é uma quebra enorme na harmonia, os japoneses são os que melhor sabem lidar com a situação)

Ainda hoje – felizmente em menor quantidade – há muitas histórias do Japão sobre pessoas que tentaram entrar na faculdade e, por não conseguirem, resolveram tirar suas próprias vidas para que não fossem um estorvo para a própria família e, num plano geral, à sociedade, comprometendo o seu desenvolvimento como um todo (econômico, educacional etc.).

Para que o sujeito pudesse manter-se em “harmonia” com a sociedade, era necessário que ele atingisse a “perfeição” em seus estudos para que pudesse estar “perfeitamente harmonizado” com a sociedade.

Portanto, a harmonia, apesar de soar muito bem aos sentidos humanos, é também um peso muito grande se levada ao extremo, para diversas áreas da vida. E é justamente esse lado obscuro que muita gente não conhece.

Com base na leitura desse aspecto da cultura japonesa, podemos, então, compreender com um pouco mais de profundidade o que é que forma o Japão e sua cultura como conhecemos.